MME: comunhão com Francisco e com a Igreja no mundo inteiro

Por Dom Odelir José Magri

Com esta Eucaristia aqui no Santuário da Mãe Aparecida, memória de Santa Teresinha do Menino Jesus, proclamada padroeira das missões, juntamente com São Francisco Xavier, iniciamos hoje, em comunhão com o Papa Francisco e a Igreja no mundo inteiro, o Mês Missionário Extraordinário (MME).

Na intenção de oração para este mês de outubro, o Papa Francisco invoca o Espírito Santo para que MME seja impulso para uma nova primavera missionária na Igreja.
Esse mês foi promulgado pelo Papa Francisco na intenção de “colocar a a missão de Jesus no coração da Igreja, transformando-a em critério para medir a eficácia de suas estruturas, os resultados de seu trabalho, a fecundidade de seus ministros e a alegria que eles são capazes de suscitar. Porque sem alegria não se atrai ninguém”. (Reunião do Comitê do CELAM, Bogotá, 07 de setembro de 2017).

Ouçamos as palavras do Papa Francisco na sua mensagem para o dia mundial das missões deste ano: “Pedi a toda a Igreja que vivesse um tempo extraordinário de missionariedade no mês de outubro de 2019, para comemorar o centenário da promulgação da Carta Apostólica Maximum illud, do Papa Bento XV (30 de novembro de 1919). A clarividência profética da sua proposta apostólica confirmou-me como é importante, ainda hoje, renovar o compromisso missionário da Igreja, potenciar evangelicamente a sua missão de anunciar e levar ao mundo a salvação de Jesus Cristo, morto e ressuscitado.

Com o tema “Batizados e enviados: a Igreja de Cristo em missão no mundo” a celebração deste mês de outubro ajudar-nos-á, em primeiro lugar, a reencontrar o sentido missionário da nossa adesão de fé a Jesus Cristo, fé recebida como dom gratuito no Batismo. O ato, pelo qual somos feitos filhos e filhas de Deus, sempre é eclesial, nunca individual: da comunhão com Deus, Pai e Filho e Espírito Santo, nasce uma vida nova partilhada com muitos outros irmãos e irmãs. E esta vida divina não é um produto para vender – não fazemos proselitismo –, mas uma riqueza para dar, comunicar, anunciar: eis o sentido da missão. Recebemos gratuitamente este dom, e gratuitamente o partilhamos (cf. Mt 10, 8), sem excluir ninguém. Deus quer que todos os homens sejam salvos, chegando ao conhecimento da verdade e à experiência da sua misericórdia por meio da Igreja, sacramento universal da salvação (cf. 1 Tm 2, 4; 3, 15; Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Lumen gentium, 48).

Em outras palavras, é um convite a ter verdadeiramente a peito o anúncio do Evangelho e a transformação das comunidades cristãs em realidades missionárias e evangelizadoras; aumentar o amor pela missão, que é paixão por Jesus e, simultaneamente, paixão pelo seu povo. (Papa Francisco, carta ao Cardeal Filoni por ocasião do centenário da Carta Apostólica Maximum Illud, 22 de setembro de 2017).

A passagem do Evangelho de hoje (Lc 9, 51-56), a viagem de Jesus até Jerusalém lança uma nova luz sobre a forma como se podem realizar as palavras dos profetas sobre a conversão dos pagãos ao Senhor (cf. Zc 8, 20-23), a imagem da grande peregrinação a Jerusalém no fim dos tempos. A referência de Jesus aos dias em que seria elevado ao Alto (f. Lc 9,51), diz apenas a respeito de sua ascensão ao céu (cf. Lc 24, 50-51), mas compreende também o mistério de sua paixão e morte, em Jerusalém.

O desígnio da salvação universal, tanto para Israel como para os pagãos, passa por Jerusalém como lugar onde Jesus foi ‘elevado’ (Jo 12,32)… É a atração profunda e divina do mistério da cruz, vivido, testemunhado e transfigurado por Jesus que suscita, promove e acompanha o movimento de conversão dos pagãos rumo a Jerusalém. A passagem através da região habitada pelos samaritanos, durante a viagem de Jesus rumo a Jerusalém, torna-se num episódio emblemático da conversão que os discípulos de Jesus, em cada época, devem experimentar, para poderem acompanhá-lo e poder colaborar na sua missão de evangelização e salvação. Diante da resistência e hostilidade dos samaritanos a tentação de Tiago e João, discípulos de Jesus, foi de fazer descer fogo do céu, mas Jesus os repreendeu: “ Vós não sabeis a que Espírito pertenceis, pois, o Filho do Homem não veio para destruir, mas para salvar” (Lc 9, 55-56). Isso me faz lembrar São Daniel Comboni que dizia: “A missão nasce, cresce e se renova aos pés da Cruz”.

Portanto, a missão da Igreja é conformação com a pessoa, com o projeto e com o mistério de Jesus Cristo: é um caminho de conversão que empenha a vida inteira, deixando ao Senhor da messe de abrir as portas da missão e de mover o coração das pessoas. Que o Espírito Santo nos ilumine e nos guie na missão que é de Deus. Nós hoje, como seus discípulos missionários e missionárias, somos colaboradores/as de Jesus na missão.

Ou seja, podemos dizer que a missão entra pelo coração. É um apaixonar-se por Jesus e seu projeto de vida. É partilha de uma alegria e de um horizonte de vida.
Missão é ser homem e mulher de Deus, que anuncia Deus (cf. Carta ap. Maximum illud): este mandato toca-nos de perto. Com Papa Francisco podemos dizer: Eu sou sempre uma missão; tu és sempre uma missão; cada batizado é uma missão. Quem ama, põe-se em movimento, sente-se impelido para fora de si mesmo: é atraído e atrai; dá-se ao outro e tece relações que geram vida. Para o amor de Deus, ninguém é inútil nem insignificante. Cada um de nós é uma missão no mundo, porque fruto do amor de Deus. E Dom Hélder dizia: Missão, é deixar de dar voltas ao redor do próprio umbigo (…)”.

Por isso o Papa Francisco não se cansa de repetir: “A ação missionária é o paradigma de toda obra da Igreja” (EG 15). De fato, a missão é a realidade constitutiva do ser e do agir da Igreja. A Igreja “é, por sua natureza, missionária” (AG 2). Esta afirmação do decreto conciliar Ad gentes lembra que a missão tem sua origem em Deus que é Amor que não se contém, que transborda, que se auto-comunica. A missão nasce deste “amor fontal” do Pai, que envia o Filho, que envia o Espírito, que envia a Igreja. A Igreja nasceu para ser enviada e sua missão não tem confins, é para o mundo inteiro. A ela compete anunciar o Evangelho às pessoas que já o conhecem, mas sem esquecer que deve chegar a todos os povos.

Se Deus chama todos os homens e as mulheres a participar de sua vida divina, de maneira especial, todos aqueles que, pelo batismo, foram feitos filhos e filhas do mesmo Pai são chamados a participar da sua missão. Os membros da Igreja, povo de Deus, são chamados a ser, integralmente e em toda a parte, um povo missionário, a caminho, para partilhar a sua fé.

Vejamos dois exemplos:
Santa Teresinha do Menino Jesus dizia: “Compreendi que só o amor fazia atuar os membros da Igreja e que, se o amor viesse a extinguir-se, nem os apóstolos continuariam a anunciar o Evangelho nem os mártires a derramar o seu sangue; compreendi que o amor encerra em si todas as vocações, que o amor é tudo e que abrange todos os tempos e lugares, numa palavra, que o amor é eterno (…): no coração da Igreja, minha Mãe, eu serei o amor» (Manuscritos autobiográficos, Ms. B, 3v.).
A vossa vocação é um chamado a ser profecia do Reino e oração incessante. Se o missionário é “um contemplativo na ação” (Redemptoris missio, 91), os contemplativos podem ser definidos “agentes pastorais na contemplação”. Assim podemos dizer: missão é contemplação, é oração.

Assim como os monastérios e comunidades de vida contemplativa foram motivados e convidados a rezarem especialmente na intenção do MME, outubro 2019, quero convidar você que está enfermo, você pessoa idosa, a turma da IAM, JM, Família missionária a oferecer suas preces e orações especialmente pelas missões (terço missionário, uma Ave Maria). Enfim, a missão se faz com os pés daqueles que partem, com os joelhos daqueles que rezam e com as mãos daqueles que ajudam.

Outro exemplo de testemunho missionário é o Pe. Ezequiel Ramin, missionário Comboniano, mártir da causa indígena e da luta pela terra na Amazônia. Ezequiel representa hoje o sangue derramado de tantos mártires, homens e mulheres, consagrados e leigos, muitos deles anônimos, que teimam, resistem e crescem como o fermento na massa. Hoje já reconhecido como servo de Deus, seu testemunho é força e inspiração para muitas comunidades cristãs e organizações populares que lutam na defesa da vida e do planeta terra, nossa casa comum.

Como não lembrar aqui o Sínodo para a Amazônia, que o Papa Francisco chamou de “feliz coincidência” com o MME. Novos caminhos para a Igreja e para uma Ecologia integral, eis novos desafios para a ação missionária de nossa Igreja no Brasil.

Enfim, nesse momento histórico e triste de violência em nosso país, desejo simplesmente destacar o testemunho de fé e perdão do pai e familiares do Pe. Ezequiel.
A reação da família ao receber na Itália o corpo do filho, nos toca profundamente: seu pai, diante do caixão, reuniu a família e lhes disse: “na nossa família não há vingança; nós não cultivamos o ódio e, portanto, peço a vocês que perdoem as pessoas que mataram o nosso filho”. São atitudes e gestos que salvam. Como não lembrar Santa Teresinha quando diz: pequenos gestos realizados com amor contribuem à salvação do mundo. Que Pe. Ezequiel Ramin, vítima da violência, interceda pela paz na Amazônia e em todo o nosso Brasil.

Portanto, somos chamados a acolher o convite do Papa Francisco a um renovado empenho missionário. Que nosso esforço para encaminhar, viver e celebrar este mês especial, nos fortaleça ainda mais na convicção que “a missão renova a Igreja, revigora sua fé e identidade, dá-lhe novo entusiasmo e novas motivações. É dando a fé que ela se fortalece” (RMi, n.2).

É justo reconhecer com alegria os frutos dessa realidade já presente em nossa caminhada de Igreja no Brasil:
• O compromisso e testemunho de fé de nossos leigos e leigas em nossas comunidades cristãs
• O testemunho dos missionários consagrados/as, vida religiosa e contemplativa,
• A rica e positiva experiência de nossas mais de 50 dioceses – Igrejas Irmãs em realidades de fronteira e missionárias no Brasil;
• A valiosa experiência de 3 Regionais do Brasil (Sul 1, 2 e 3) com a experiência de Igrejas Irmãs ad gentes, além-fronteiras (Moçambique, Guiné Bissau, Timor Leste)
• O projeto ad gentes CNBB e CRB no Haiti;
• O envolvimento e impulso missionário em nossas dioceses e paróquias das Missões e Santas missões Populares;
• A crescente organização dos Conselhos missionários e especialmente nestes últimos anos o Conselho missionário dos seminaristas em todo o Brasil;

Convite para viver intensamente o MME, outubro 2019: Indicativos pastorais:

Cada Diocese, Prelazia e paróquia possa celebrar a abertura do MME. Realizar o gesto concreto proposto para o final de semana do dia mundial das missões (saída missionária, vigília missionária e coleta missionária). Fortalecer os conselhos missionários (comidi, comise, comipa ou Gams). Apoiar e fortalecer a IAM, a Juventude Missionária e Família Missionária. Utilizar os materiais apresentado no Guia do MME e especialmente, acolher e implementar o Programa Missionário Nacional.
A ideia central é inserir dentro da programação ordinária e habitual das Igrejas locais, a temática e o espírito do mês missionário, visando a conversão pastoral missionária. Será uma ocasião para fortalecer os conselhos missionários na paróquia, na diocese e nos regionais, como também dar um novo impulso aos projetos missionários das Igrejas irmãs e além-fronteiras.

Cada diocese recebeu uma réplica da cruz missionária do 5º Congresso Missionário Americano, bandeira com a logo internacional do MME e uma cópia do guia com a programação do MME.

No Brasil, desde 1972 é organizada a Campanha Missionária no mês de outubro para reavivar nossa identidade missionária com abertura a missio ad gentes. As Pontifícias Obras Missionárias no Brasil preparam e enviam para todas as Igrejas particulares: a novena missionária, o cartaz, a oração missionária, o envelope para coleta e os vídeos com testemunhos missionários que neste ano serão veiculados em toda rede católica de rádio e TV.

Enfim, com a celebração deste mês especial o Papa Francisco nos interpela a não darmos desculpas esfarrapadas diante dos desafios da evangelização: “A pastoral em chave missionária exige o abandono deste cômodo critério pastoral: ‘sempre se fez assim’” (EG 33). “A nossa imperfeição não deve ser desculpa; pelo contrário, a missão é um estímulo constante para não nos acomodarmos na mediocridade e para continuar crescendo” (EG 121). Neste sentido, o importante é arriscar, é tentar! Ele mesmo nos diz: “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (EG 49). No fundo, o verdadeiro sonho de Francisco é “com uma opção missionária capaz de transformar tudo”. “Não nos deixemos roubar o entusiasmo missionário” (EG 80) e “não deixemos que nos roubem a força missionária” (EG 109)! “Eu sou uma missão nesta terra”, nos lembra Francisco, e continua: “para isso estou neste mundo. É preciso considerarmo-nos como que marcados a fogo por essa missão de iluminar, abençoar, vivificar, levantar, curar, libertar”. (EG 273).

Por intercessão da Mãe Aparecida e dos padroeiros da missão, Santa Teresinha do Menino Jesus e São Francisco Xavier, invocamos as bênçãos de Deus sobre cada missionário e missionária, sobre cada um de nós, para que possamos continuar gritando o Evangelho de Jesus Cristo com a nossa vida. Louvado seja Nosso Senhor, Jesus Cristo.

* Presidente da Comissão Episcopal para a Ação Missionária e Cooperação Intereclesial da CNBB

Foto: Thiago Leon/Santuário Nacional

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