Exílio e austeridades

Por Dom Walmor Oliveira de Azevedo*

O dom de viver é compromisso diário que inclui muitos desafios e, certamente por isso, diz-se que viver é uma arte. Mas não se trata de arte confeccionada isoladamente. Depende da participação de todos, a partir da inigualável contribuição da solidariedade, único remédio que tem força para mudar tristes cenários, a exemplo dos que são desenhados pelas pandemias que assolam o mundo ao longo de toda a história. Há muitas pandemias: da violência crescente, da fome e da miséria, da indiferença que compromete a justiça e a paz. Há também a pandemia da ganância que cega o coração e leva à predatória busca pelo lucro, com a exploração desmedida do meio ambiente, em diferentes lugares do Brasil, a exemplo de uma mineração irresponsável. A partir de triste realidade, muitas pandemias se perpetuam: os ouvidos de muitos são surdos para os clamores dos pobres e o grito dos profetas.

Atualmente, desafiando a sociedade mundial, a pandemia do Coronavírus, o COVID-19 caminha para o seu auge. Impacto que abala a frágil estrutura da economia global, comprovando que tiros e moedas não vencem a guerra viral. A pandemia do Coronavírus bate à porta de todos e configura um tempo de exílio, lembrado o desafio existencial vivido pelo Povo de Deus, em etapas diferentes de sua história. Todos agora confinados têm oportunidade austera de repensar caminhos, alimentar-se pela espiritualidade, enquanto colaboram para superar a pandemia. O exílio é oportunidade para renovar a esperança e nos fortalecer. Tempo de aprendizagens e novas conquistas, jamais de medo e pânico.

Deus tudo conduz. É o Senhor da história. É o Vencedor. A fé inabalável alimenta a esperança e consolida a caridade. A convocação é para se viver fecunda espiritualidade, balizando ações de prevenção, gestos de solidariedade, obediência às indicações e determinações das autoridades em saúde pública para, em breve, abrir novo ciclo, no Brasil e no mundo. Além do Coronavírus, a humanidade inteira está contaminada e adoecida por modelos econômicos, políticos e até religiosos que a enfraquecem. A constatação não é um apanágio de pessimismo, mas uma convocação a levantar a bandeira da esperança, investindo na competência humanística para encontrar novos modelos de sociedade que possam emoldurar a vida com grande alegria.

Com a força da fé, inabalável porque assentada em Deus, o único que tudo pode, por uma cidadania corresponsável e solidária, impulsionados pelas ciências, responsavelmente conduzidos por sérios líderes mundiais, reverentes a cada pessoa, todos contribuam para que novo ciclo seja aberto, coerente com as expectativas da humanidade. Iluminada pela Luz da esperança, a sociedade brasileira passe por este exílio, deixando-se conduzir pela força transformadora do amor, convencida de que é imprescindível exercer a solidariedade.

Prevaleçam os compromissos com a austeridade e com a cooperação e ninguém fuja do exílio – é preciso permanecer mais no próprio lar. Na luta contra essa e tantas outras pandemias, seja inspiração o horizonte da fraternidade e da vida, dom e compromisso. Unido, orante, austero e solidário, o povo brasileiro vencerá e encontrará a paz. Triunfará, pela benção de Deus, o dom da vida. Cresça, agora, na interioridade de cada brasileiro, um coração samaritano, aquele que, diante da dor e do sofrimento do outro, é capaz de ver, sentir compaixão e cuidar

* Arcebispo de Belo Horizonte e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

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