Papa aos presbíteros: “Padres de sala de estar ou discípulos missionários?”

Padres “de sala de estar”, tranquilos e acomodados, ou discípulos missionários pronto para se empenhar pelas pessoas? Francisco escava na alma de cada sacerdote, recordando a urgência de seu ministério e convidando-os a se deixar “moldar” como “barro” por um Deus que é um “Oleiro com ‘o’ maiúsculo”, paciente e atento às suas criaturas. É justamente nessa imagem de memória bíblica que o Pontífice sintetiza toda a formação dos sacerdotes, tema central da “Ratio Fundamentalis Institutiones Sacerdotalis” sobre a qual se realizou de 4 a 7 de outubro, em Roma, um encontro internacional organizado pela Congregação para o Clero, cujos participantes foram recebidos em audiência na Sala Clementina.

A reportagem é de Salvatore Cernuzio, publicada por Vatican Insider, 07-10-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.

Em seu longo discurso o papa Francisco ressaltou que o tema da formação sacerdotal “é determinante para a missão da Igreja”, porque “a renovação da fé e o futuro das vocações só é possível se tivermos sacerdotes bem formados.” Mas esclareceu que essa formação “é essencialmente dependente da ação de Deus em nossas vidas e não de nossas 14atividades.” Portanto, não é uma obra “que se resolve com alguma atualização cultural ou alguma iniciativa local esporádica”, mas o fruto do trabalho de um “Deus artesão, paciente e misericordioso” que “coloca em sua roda de oleiro o barro, modela-o, plasma-o e assim, dá-lhe forma”. E “se percebe que o vaso não ficou bom”, “atira novamente a argila na massa e, com ternura de Pai, volta novamente a moldá-la”.

Uma metáfora, esta, observou Francisco, que ajuda a compreender que “quando nos distanciamos de nossos hábitos confortáveis, da rigidez dos nossos esquemas e da presunção de já ter chegado lá, e temos a coragem de nos colocar diante do Senhor, então Ele pode retomar o seu trabalho sobre nós, nos moldando e transformando”. É preciso ser repetido com força, afirmou o papa: “Se alguém não se deixa formar pelo Senhor todos os dias, transforma-se em um padre apagado, que se arrasta no ministério por inércia, sem entusiasmo pelo Evangelho, nem paixão pelo povo de Deus”. Pelo contrário, quando se coloca nas mãos experientes do Oleiro “irá conservar o entusiasmo no tempo ” e “falar palavras que podem tocar a vida das pessoas”, conseguindo aliviar suas “feridas”, “expectativas” e “esperanças”.

Mas existe também outro aspecto a considerar: “Cada um de nós, padres, é chamado a colaborar com o divino Oleiro! Nós não somos apenas barro, mas também ajudantes do Oleiro, colaboradores da sua graça”, explicou o papa Francisco. Nessa “oficina do oleiro” existe também outro protagonista: o próprio padre ou seminarista que se deixa moldar por Deus quando não se fecha “na pretensão de já ser uma obra acabada”.

IMG_9697Isto implica alguns “sim” e alguns “não” a serem ditos: o padre ou futuro padre – destacou Bergoglio – “mais que o ruído das ambições humanas, vai preferir o silêncio e a oração; mais que confiar em suas obras, vai saber se entregar às mãos do oleiro e sua providencial criatividade; mais que os esquemas pré-concebidos, vai se deixar guiar por uma inquietação saudável do coração, de modo a orientar sua própria incompletude para a alegria do encontro com Deus e com os irmãos. Mais que o isolamento, procurará a amizade com os irmãos no sacerdócio e com o seu povo”.

Francisco também discutiu o papel dos bispos e de todos aqueles que, na Igreja, são chamados a serem os primeiros formadores da vida sacerdotal: o reitor, os diretores espirituais, os educadores, os responsáveis pela formação permanente do Clero. “Se um formador ou um bispo não “descer na oficina do oleiro” e não colaborar com a obra de Deus, não podemos ter sacerdotes bem formados”, advertiu o Papa. Sacerdotes, portanto, que saibam anunciar o Evangelho com “entusiasmo e sabedoria”, que tenham condições de “acender a esperança lá onde as cinzas cobriram as brasas da vida, e gerar a fé nos desertos da história”.

Nesse sentido, é fundamental “uma vizinhança cheia de ternura e responsabilidade pela vida dos padres, uma capacidade de exercer a arte do discernimento como instrumento privilegiado de todo o caminho sacerdotal”. “Trabalhem em conjunto!”, recomendou o Papa principalmente para os bispos. “Tenham um coração grande e um forte preparo para que sua ação possa cruzar os limites da diocese e se conectar com a obra dos outros irmãos bispos”. Portanto, continuou, “é preciso dialogar mais, superar os paroquialismos, fazer escolhas compartilhadas, juntos dar início a bons percursos de formação e preparar mesmo de longe formadores à altura dessa tarefa tão importante”.

Finalmente, não devemos esquecer as pessoas, com “as dificuldades das suas situações, com as suas demandas e as suas necessidades”. As pessoas, o povo, não são apenas os destinatários de uma missão, mas também a “grande ‘roda’ que gira para moldar o barro do nosso sacerdócio”, explicou o Papa, “uma verdadeira escola de formação humana, espiritual, intelectual e pastoral”. “Se ao pastor é atribuída uma porção do povo, também é verdade que ao povo é confiado o sacerdote. E, apesar das resistências e incompreensões, se caminharmos no meio das pessoas e nos empenharmos com generosidade, perceberemos que elas são capazes de gestos surpreendentes de atenção e ternura para com os seus padres”.

O lugar do padre é, portanto, “a jusante” entre as pessoas “sem jamais temer os riscos e se enrijecer nos juízos”. Assim, ele se forma “fugindo tanto de uma espiritualidade sem carne, como, por outro lado, de um compromisso mundano sem Deus”.

Portanto, nessa “oficina do oleiro” cada sacerdote deve entrar depois de ter esclarecido algumas dúvidas: “Que padre eu quero ser? Um “padre sala de estar”, do tipo tranquilo e acomodado, ou um discípulo missionário dentro do qual arde o coração pelo Mestre e pelo Povo de Deus? Um padre que se acomoda em seu bem-estar ou um discípulo no caminho? Um padre morno que prefere a vida tranquila, ou um profeta que desperta no coração do homem o desejo de Deus?”

Fonte: IHU

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