Padre Pedrinho fala sobre a missão em Moçambique

por Judinei Vanzeto *

Padre Pedrinho Geraldo Secretti, 64 anos, nasceu em Dona Francisca (RS), foi ordenado padre Palotino em 1981, é membro da Província Nossa Senhora Conquistadora, com sede em Santa Maria (RS). Desde 2016 é missionário em Namuno, território da diocese de Pemba, ao norte de Moçambique, na África. Por ocasião de suas férias no Brasil, concedeu entrevista sobre a sua vivência missionária ad gentes. Confira a entrevista:

Padre Pedrinho antes de o senhor partir para terras distantes fostes missionário no Brasil?
Nasci no interior do Rio Grande do Sul, na cidade de Dona Francisca, da Arquidiocese de Santa Maria. O mundo que conhecia era apenas o Rio Grande do Sul, sobretudo, o interior da Quarta Colônia. Logo que fui ordenado padre o meu primeiro trabalho pastoral foi na Rondônia. Numa realidade nova, uma população chegando naquele estado. No início eram apenas treze comunidades. Quando saí de lá, sete anos depois, eram cento e três comunidades. Percebi que todas elas iniciaram com a devoção a Nossa Senhora, com o terço, e aos poucos foram sentindo a necessidade de 13892216_1118315468191708_5803761582999206482_nse organizar em comunidade, celebrar, ter momentos de catequese, os sacramentos, missas. Foi uma experiência muito interessante que me desafiou a buscar formação e oração para ir ao encontro das necessidades do povo. Valeu a pena aqueles anos na Rondônia. Saí para estudar Missiologia, em São Paulo (SP). Após o estudo voltei para Porto Velho (RO) e senti a necessidade da formação de lideranças. Trabalhei 12 anos exclusivamente com formação na área bíblica. O povo tinha o desejo de conhecer a Bíblia para dar respostas ao crescente número de evangélicos, mas buscamos direcionar o conhecimento para a maturidade e crescimento na fé cristã católica. Após esse tempo recebi convite da Província para continuar os estudos em São Paulo, para ser professor na Faculdade Palotina (FAPAS), em Santa Maria (RS). Cursei mestrado em Ciência da Religião e trabalhei por quatro anos como professor na FAPAS.

Como surgiu o desejo de ser missionário em Moçambique?
Surgiu em nossas assembleias provinciais que são realizadas anualmente em Vale Vêneto (RS). Ali se falava sobre a nova missão assumida ao norte de Moçambique, na Diocese de Pemba. Coloquei meu nome à disposição, pois sempre gostei dessa área e estive diretamente envolvido na missão. Depois de um tempo fui solicitado e estou na missão ad gentes desde o dia 09 maio de 2016.

Como foi sua acolhida e primeira impressão?
Eu recordo aquilo que dom Adriano Langa, bispo moçambicano da diocese de Inhambane, disse por ocasião de sua visita às nossas casas no Brasil. Numa das suas palestras perguntei: ‘O que seria bom e necessário para um missionário que vai para Moçambique?’ Ele disse: ‘a primeira coisa é olhar no mapa e ver a distância entre a África e 13731674_150987295330973_9088989309101512088_no Brasil. Ver o que é a cultura daqui e a de lá. Existe uma distância cultural enorme.’ Quando cheguei em terras moçambicanas fui com esta perspectiva: de conhecer aquele mundo. Confesso que há uma dificuldade muito grande. O difícil não é sair daqui; o difícil é entrar na cultura, na vida do povo, é entender seus costumes. Padre Eriberto Schwamback e eu fomos bem recebidos por eles apesar da resistência de acolher as pessoas de cor branca, devido à colonização e exploração que tiveram até 1975, por parte de Portugal. Mas nós missionários brancos somos bem recebidos.

Vocês assumiram uma missão nova, mas os Palotinos estão presentes desde 1999 em Moçambique?
Sim, ao sul de Moçambique, na diocese de Inhambane, à 500 quilômetros da capital Maputo, temos duas paróquias e um seminário palotino. E assumimos uma nova missão no norte, na diocese de Pemba, na divisa com a Tanzânia.

Como se sente após um tempo em Moçambique?
Sinto-me ainda iniciando e como estivesse chegando. É um mundo bem diferente e estou tentando entender, se adaptar, aculturar com eles. Entender o universo religioso e cultural do povo. Sinto-me desafiado a conhecer cada vez mais o povo.

O bispo da diocese de Pemba é brasileiro?
13920615_1118315471525041_4268067802112961044_nTive uma grata surpresa quando ficou decidido que eu iria para a missão, pois fui consultar quem seria o bispo e encontrei o nome de dom Luiz Fernando Lisboa. Fizemos o curso de missiologia juntos em São Paulo. Ele trabalhou 10 anos em Moçambique e, ao voltar ao Brasil, foi escolhido bispo para aquelas terras.

Quem mantém a missão?
A Província Nossa Senhora Conquistadora, com sede em Santa Maria (RS), é quem mantém a missão. O povo é muito pobre e as dificuldades financeiras são grandes. São 144 comunidades na paróquia que atendemos e na sua maioria distantes umas das outras. Temos um clima muito semelhante ao do Brasil, mas com frio menos intenso. O calor é muito forte durante o verão e com um clima bastante seco. Chove apenas de dezembro a metade de março. O restante dos meses do ano é seco e com muito sol. Nós procuramos cultivar uma lavoura para nossa subsistência. Plantamos arroz, milho, feijão, mandioca, gergelim, batata. Aconteceu de plantarmos um saco de arroz e não colher nenhum grão. Então, é um desafio muito grande para aquele povo sobreviver.

Alguma novidade pastoral que lhe chama atenção?
O que me achou atenção é a tradição. Nós brasileiros somos muito religiosos e o primeiro critério para nossas escolhas da nossa vida é o religioso. Para eles, o primeiro mandamento é a tradição. ‘Foi assim, vai ser assim’. Qualquer mudança que você queira fazer é uma dificuldade terrível. Tudo o que aconteceu parece que ser um dogma a ser seguido. Entre eles é forte o culto aos mortos. Não cultivam tanto os vivos, mas os mortos. É preciso estar de bem com os mortos, fazer celebrações para eles. Porque, senão, eles podem vir interferir na nossa vida. Os velórios duram de dois a quatro dias. Vem o sétimo dia, trinta, quarenta dias, um ano. Essa tradição é muito forte o que se torna um desafio para a fé cristã. O segundo mandamento deles é a obediência ao partido do governo. Confundem-se partido com o governo. A oposição é vista como inimiga da pátria. Para ser professor ou outra função é necessário ter a carteirinha do partido. Depois de tudo isso é que vem a religião, o Evangelho. Fico pensando: Diante dessa realidade, como trabalhar os valores evangélicos?

O senhor gostaria de deixar uma mensagem aos que desejam um dia partir em missão ad gentes?
Religião sem perspectiva de missão é morta. Cristianismo é ser missionário. “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho”, disse o Senhor. Todo cristão, pelo seu batismo, tem a marca de ser missionário. Se despertar dentro de você o desejo missionário; não pense duas vezes, vá. Faça a experiência que você vai se surpreender. A necessidade é tão grande e tudo isso vai fazer bem a você e a muitas pessoas. Mas também não perca a perspectiva de ser missionário onde está. Todo batizado é um missionário. Se você está numa periferia, seja missionário ali. Seja missionário na família, no trabalho, na política, na escola, enfim, em qualquer lugar que você esteja, seja uma presença de Jesus para as pessoas!

* Jornalista do Regional Sul 3 da CNBB.

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